domingo, 13 de dezembro de 2009

ESBARRÕES

Andy Warhol disse que todos teriam, algum dia, direito a quinze minutos de fama. Comecei a calcular meus créditos. Que eu me lembre( e é claro que eu lembro) fui entrevistado UMA vez pelo Heraldo Pereira, no começo dos anos 80. Acho que ele também estava começando, pois a entrevista, que demorou uns 40 minutos, teve uma edição de uns 45 segundos no Fantástico. Foi sobre o mercado de carros usados e novos, assunto que, confesso, entendia muito pouco, mas que agora entendo menos ainda. Sobre o mesmo assunto, na mesma época, fui entrevistado por uma jornalista do Estadão, que rendeu uma matéria de meia pagina, num cadernão qualquer do domingo, na página trocentos e pouco. Considerando que, nessa matéria foram usadas duas ou três citações minhas ( com aspas e tudo) e o tempo de leitura dessas citações deveriam consumir no máximo 2 minutos ( não vale leitura dinâmica!!) , pelo meus cálculos, ainda tenho direito a 12 m e 15 segundos. Bom, a nível nacional, essa foi a minha fraca contribuição com a tese do genial Andy Warhol.

Invertendo o raciocínio e assumindo plenamente minha condição de anônimo, comecei a lembrar dos “esbarrões” que tive acidentalmente com personalidades que tiveram seus “anos” de fama, alguns merecidamente, outros nem tanto, mas que de alguma forma acabaram interagindo comigo, mesmo sabendo que esses esbarrões não tiveram a menor importância na vida dessas personalidades, não mudaram a vida nem a obra de ninguém, nem tiveram conseqüências dignas de nota, em termos de historia ou estoria . Eles simplesmente aconteceram.

Fins dos anos 60. Eu, “Office-boy” da Xerox, recém instalada no Brasil.e que tinha terminado o curso interno de “ Operador Chave da Xerox 914”(com direito a diploma e tudo)fui encarregado pela secretária do gerente, Sebastião Bonfá, de atender um senhor de aparência super distinta, com um calhamaço de papéis a serem copiados. Estranhei, pois o “show room” instalado no suntuoso palacete da Av Angélica, quase esquina com a Paulista, era só para demonstração e vendas, não para atendimento ao publico. Mas como a “ordem” veio de cima, claro, obedeci. E fiquei lá com aquele senhor, obedecendo seus comandos de “ essa aqui não ficou boa, tira de novo”, “faltou uma cópia desta” “ esta aqui ta saindo toda a tinta”mostrando os dedos pretos de toner. E quando o papel atolava, então. Só quem trabalhou com a Xerox 914 sabe do que estou falando. Depois de passar pelo cilindro de selênio(que era caro e frágil prá caramba ) o papel impregnado pelo toner passava por uma espécie de esteira quente, para fixação. Se o papel tivesse uma dobrinha a mais, não estivesse no ângulo correto, ou muito úmido, pronto! Engruvinhava tudo, quase pegava fogo, formava um forfé. Aí toca a abrir a máquina inteira, limpar todo o percurso do papel, passar um pincel próprio, remexer no toner e recomeçar. Esse processo demorou umas duas horas. Depois fiquei sabendo que aqueles documentos faziam parte do preparativo do re-lançamento de um livro, que aconteceria ali mesmo naquele salão do “show room”, com um coquetel para autoridades, personalidades e até nós, funcionários fomos convidados. Lógico que compareci. Matutão de São Roque, nesse coquetel conheci o tal de caviar(que aliás, não gostei). E fiquei sabendo que aquele senhor distinto, cujas mãos e roupas, assim como as minhas ficaram sujas de toner naquela tarde, chamava-se MENOTTI DEL PICCHIA. Roubei umas duas horas da fama dele.

Claro que não parei na “Xerox 914” Outras máquinas foram lançadas, outros cursos eu fiz. A X 2400, a X 3600. E eu acumulando diplomas. E o Sr. Sebastião Bonfá, executivo de vanguarda, também não parava quieto. Ele deve ter gostado do meu desempenho com o escritor, pois logo em seguida fui incumbido da mesma tarefa por mais três vezes.

O primeiro era um gordo que eu conhecia por trabalhar na “ Família Trapo” da TV Record :

Jô Soares. Outro era um compositor de musicas de protesto. Geraldo Vandré. O terceiro era um artista plástico, cuja única obra que eu conhecia estava pendurada lá mesmo no famoso “show-room” da Xerox, com uma dedicatória :

“Ao meu Amigo Sebastião “ Medonho” Bonfá” ,

A assinatura era de Aldemir Martins

Sem duvida, mesmo inconscientemente, devo ter subtraido mais algumas horas de fama de alguém.

Hoje, nem sei se esses palacetes existem( esqueci de falar, eram dois, ligados por uma passarela), mas nunca esqueci que o piso do “show-room” era como um tabuleiro de xadrez, branco e preto. Foi ali que dei meus primeiros lances profissionais. Provavelmente, foi ali que ficou estabelecido que eu jamais seria um Karpov, ou mesmo um Mequinho.

Outros esbarrões aconteceram em outra empresa que trabalhei, por exemplo Doca Street foi meu colega de trabalho, fui apresentante do Adilson “Maguila” Rodrigues na agencia do Banco Itaú da Alameda Nothman (naquela época era necessário um correntista apresentante para se abrir uma conta bancária), almocei várias vezes com Wilson Simonal e Chocolate ( Dorival Silva) no Restaurante do Alemão, da Barão de Limeira, e vários outros artistas, esportistas, amigos do meu patrão.

Desses, o mais emblemático, talvez por não ser “famoso” na época em que o conheci, chamava-se Ubaldo Conrado Augusto Wessel. Ele era o proprietário do imóvel em que estava instalada a loja em que eu trabalhava. E eu levava pessoalmente o cheque do aluguel em sua casa, ali na Barra Funda, além de negociar os reajustes. Eu só sabia que ele era proprietário de dezenas de imóveis comerciais ali na região de Campos Elisios e Barra Funda. Só muito depois vim a saber que ele, de família abastada, químico e apaixonado pela fotografia, inventou e patenteou, em 1921,um papel fotográfico muito superior aos importados e dominou o mercado. Recebeu muitas ofertas de venda de sua patente. Acabou aceitando uma sociedade com a Kodak, que estava muito interessada em sua patente, fundando a Fabrica de Papel Fotográfico Kodak-Wessel , moderna fábrica em São Paulo, e da qual ele só se desligou em 1954, transferindo definitivamente a patente para a Kodak americana.

Sem família ou herdeiros, antes de morrer aos 103 anos de vida, criou a Fundação Conrado Wessel, ( www.fcw.org\br ) que recebeu toda a sua imensa fortuna e, além de apoiar 6 entidades por ele escolhidas, atribui prêmios anuais a entidades ou personagens que se destacam nacionalmente nas áreas de ARTE, CIÊNCIA e CULTURA O escolhido de cada área recebe,além do Troféu, um premio de R$ 150.000,00.

Desse, não subtrai nenhum minuto de fama, mesmo porque, ele não a possuía. Mas, pelo bem que deixou após sua morte, talvez tenha sido a personalidade com a qual eu tenha tido mais prazer em ter esbarrado.